Textos sobre a experiência emocional na gravidez e pós-parto
Texto publicado a 30/03/2023
Vários estudos têm encontrado que uma saúde mental fragilizada pode ter consequências nos fetos/bebés. Essas consequências podem ser indiretas para o bebé – o stress pode destabilizar a saúde física da mãe e poder levar a desfechos menos positivos de parto (ex. parto pré-termo). Mas também já existem alguns estudos que apontam para consequências diretas no bebé, tais como alterações comportamentais, cognitivas e imunológicas.
Numa gravidez de stress baixo, o sistema neuro-endócrino-imunológico adapta-se para promover o sucesso da gestação, reduzindo a ativação do eixo hipotálamo-pituitaria-adrenal e baixando a resposta inflamatória. No entanto, o stress materno excessivo parece ter um efeito disruptivo nesse processo, expondo o feto/bebé a um excesso de glicorticoides que entram na sua circulação sanguínea e acedem ao seu sistema nervoso em desenvolvimento. Ao acederem, têm o potencial de afetar diretamente o desenvolvimento neurológico do bebé e, consequentemente, o seu bem-estar e desenvolvimento.
Assim sendo, se estás grávida ou és recém-mãe e estás a sentir-te emocionalmente fragilizada, pede apoio psicológico. É importante que saibas que TUDO SE REPARA e que uma vivência emocionalmente difícil não é sentença nenhuma de um desfecho negativo. Mas está tudo ok em pedires ajuda e orientação para conseguires fazer essa reparação.
doi: 10.1177/1753495X12473751
Saúde Mental na Gravidez
As palavras da maternidade
Texto publicado a 05/08/2022
Amor. Dor. Acolhimento. Medo. Revolução. Solidão. Sintonia. Corpo. Pele. Carne. Leite. Entrega. Cansaço. Desespero. Superação. União. Toque. Abraço. Alegria. Beijo. Crescimento. Intensidade. Tristeza. Alegria.
Quantas palavras cabem numa só experiência de maternidade? Infinitas?
Enquanto escrevo, ela dá-me a mão, olha-me nos olhos e sorri. Eu paro, olho-a e agradeço. Agradeço por todas as palavras que trouxe à minha experiência, por todas as emoções que me fez sentir nesta caminhada enquanto mãe. Sou grata por todas, porque todas elas fizeram de mim a mãe que sou hoje. E agora, de mãos dadas, sinto que o sentido da maternidade não é chegar a lado nenhum. É, sim, encher a vida de palavras. Preencher este momento e cada momento. E ela enche-me a vida na perfeição.
Obrigada, filha.
Texto publicado a 28/06/2022
O pavimento pélvico é o conjunto de músculos e ligamentos que funciona como "chão", suportando os órgãos pélvicos. Tem várias funções e, para as executar, precisa de conseguir contrair (ex. quando espirramos, para evitar a saída de urina) e de relaxar (ex. quando urinamos, defecamos, na penetração sexual ou no parto).
E porque é que uma Psicóloga está a escrever-vos acerca do pavimento pélvico? Porque quero dizer-vos que o nosso Pavimento Pélvico está interligado com as nossas emoções. Ou seja, aquilo que sentimos tem o potencial de interferir com o funcionamento do pavimento pélvico.
Se não estivermos bem, tranquilos e relaxados, então é provável que o pavimento pélvico também não consiga relaxar. Se, pelo contrário, a ocitocina (hormona do amor) fluir em nós, o pavimento pélvico executa as suas funções de acordo com as suas potencialidades (ou seja, executa bem, se estiver fisicamente saudável). Então, é fácil de perceber que se uma mulher não se sente bem e segura em trabalho de parto, então provavelmente o seu pavimento pélvico não vai relaxar como precisaria, para permitir a saída do bebé.
Mas é preciso ser também dito que relaxar não é tão fácil quanto ativar um botão especial algures na nossa torre de controlo. Relaxar é um processo complexo, para uns mais do que outros. Relaxar num momento como um parto vai depender de diversas variáveis internas e externas, algumas controláveis e outras nem tanto.
Então o que é que é mesmo importante sabermos? Que a mente e o corpo estão ligados. Por isso, não faz sentido preparar ou cuidar do corpo, ignorando a importância de prepararmos ou cuidarmos da nossa mente.
Não é possível controlarmos todas as variáveis, mas podemos escolher cuidar de nós. Podemos escolher, por exemplo, trabalhar crenças negativas que tenhamos acerca do parto, da relação sexual ou até de nós próprias, podemos escolher integrar traumas passados, podemos escolher trabalhar a nossa autoestima e adquirir mais e melhores ferramentas para regularmos as nossas emoções. Podemos também informar-nos e fazer escolhas informadas e conscientes. Assim, estaremos a facilitar o trabalho do nosso corpo. Porque corpo e mente estão sempre ligados.
Um pavimento pélvico emocional
Texto publicado a 19/02/2022
Não vos posso dizer que, depois de sermos mães, voltaremos a ser as mesmas que éramos antes.
Não é possível passarmos por tantas transformações psicológicas, sociais e físicas e voltarmos ao ponto de partida. Não é possível passarmos por experiências tão marcantes e não ficarem marcas (algumas positivas, outras nem tanto). Não é possível viver com "o coração fora do peito" e ao mesmo tempo olhar e sentir a vida como se olhava e se sentia antes.
A investigação científica até já permitiu perceber que, ao longo da transição para a parentalidade, acontecem alterações nas nossas estruturas cerebrais que alteram a forma como percecionamos e nos relacionamos com o mundo. Por isso, mudamos mesmo.
Isso não significa que deixamos de ser quem éramos, significa que passamos a ser uma nova versão de nós mesmas.
Mas, no processo de mudança, é natural que todas nós, a dada altura, nos sintamos perdidas e desconectadas de quem somos. A estranheza em relação a nós próprias é válida, especialmente quando não encontramos mais prazer nas mesmas coisas, quando deixamos de nos sentir bem em certos lugares ou quando o que parecia importante antes é motivo de desconforto agora.
A verdade é que a mudança é inevitável e lutar contra ela é desgastante e gerador de ansiedade e angústia. Para voltarmos a saber quem somos, é preciso aceitar a inevitabilidade da mudança e, pelo caminho, é preciso termos compaixão para connosco próprias. E, aos poucos, tudo se encaixa.
Ser mãe muda-nos
Conexão mãe-bebé
Texto publicado a 28/06/2021
Lembras-te quando tu e eu éramos uma?
Já nos conhecíamos, sem nunca nos termos olhado. Conversávamos e tu fazias ouvir-te, mesmo quando eu não ouvia o som da tua voz. Em silêncio, dizias-me tanto. E dançávamos juntas, no embalo do meu colo, que crescia e crescia, como o nosso amor.
Hoje encontro essa sensação de seres minha - sem na verdade seres - e de eu ser tua - sendo, quando os nossos corpos se abraçam. O toque é a casa, é o refúgio, é o alimento. Eu alimento-te, tu alimentas-me.
E a água é o nosso elemento. Foi a casa do nosso amor, quando vivias no meu útero. E foi tão bom, não foi? Talvez por isso segures sempre na minha mão e corras - feliz - quando te digo que vamos para dentro de água.
Será que, quando fores grande, te vais lembrar dos momentos que passámos as duas, abraçadas debaixo da água que corria no chuveiro? Da sensação de voltarmos ao útero onde nos conhecemos? Da reciprocidade do amor que se faz sentir no silêncio entre nós e as nossas peles?
O nosso amor é líquido. Corre-nos na pele, corre-nos nas veias, corre-nos no corpo. E eu amo-te. Tão simples e certo. Amo-te.
Texto publicado a 11/03/2021
Numa rede social, uma mulher relatou a sua experiência no dia em que o seu bebé nasceu. Desta vez, não foi o relato feliz que todos gostamos de ler. Foi uma história de dor, de solidão, de agressividade e aflição que, felizmente, acabou com um bebé fisicamente saudável nos braços da sua mãe.
Choveram comentários nesta publicação: "Tu és forte!", "És uma mulher incríve!, "Já passou! Agora desfruta do teu bebé."
Sim, não duvido que seja forte ou incrível, mas esta mulher sofreu de violência obstétrica. E não, a dor não passou porque o bebé nasceu saudável. A dor fica e muitas vezes demora a passar. A dor pode até perturbar e condicionar todo o processo de adaptação à maternidade e, consequentemente, o desenvolvimento do bebé.
E isto faz-me pensar no espaço - mínimo - que damos à dor. A dor ainda não acabou e já estamos a dizer ao outro que passou. Fazemo-lo com a mulher que sofreu violência obstétrica, mas também com a criança que chora ou com o homem que sofre.
Eu sei que o sofrimento - nosso e do outro - é muitas vezes assustador. Mas a dor só pode desaparecer se, antes, nos permitirmos a senti-la. Quando ignoramos ou minimizamos a dor do outro, deixamo-lo a sofrer sozinho. Quando fingimos não sentir as nossas próprias dores, criamos um fantasma dentro de nós que vai crescer e um dia será grande demais para ignorarmos.
Por isso: não, a dor ainda não passou.
Não ignores a tua dor nem a dor do outro.
Não ignores e não aceites a violência obstétrica.
Ninguém tem o direito de te fazer sofrer e quem sofre não tem de sofrer sozinho.
Não passou
Texto publicado a 10/02/2021
A culpa é um sentimento que faz parte das nossas vidas. Segundo vários autores, a primeira experiência de culpa, numa forma prototípica, surge do trauma que os bebés sentem quando nascem. Ao nascer, todos os bebés passam pela experiência traumática da perda da omnipotência ilusória que a vida in útero proporciona. Essa perda, que leva a uma experiência de privação, leva-nos a sentir angústia e, consequentemente, a culpa.
Ao longo do desenvolvimento, a culpa vai ganhando novas dimensões e complexidades. Mas, do meu ponto de vista, ganha toda uma nova dimensão quando os nossos filhos nascem e, com eles, nasce uma mãe em nós.
No meu trabalho com mães, a culpa é um tema frequentemente presente. Se vos fizesse um desenho que representasse a maioria das mães, desenharia mães com mochilas carregadas de culpa que lhes pesam pelo caminho. As mães sabem que os seus filhos dependem delas para crescer e ser felizes e muitas vezes assumem que, se os filhos não estão tão bem quanto poderiam estar, então é por causa delas.
Bem, a verdade é que a culpa existe porque é importante e tem uma função nas nossas vidas. Ajuda-nos a viver em sociedade e a relembra-nos que as nossas ações têm consequências nos outros. A esse nível, a culpa é positiva e impulsiona mudanças positivas. No entanto, quando a culpa ocupa de forma intensa os nossos pensamentos e quando condiciona o nosso bem-estar de forma recorrente e prolongada, falamos de um processo patológico que precisa de ser pensado e trabalhado.
Convido-te a pensar o que está por detrás dessa culpa.
Serão as pressões sociais?
Será um passado no qual foste ensinada que não podias falhar?
Será a necessidade de seres diferente do modelo que tiveste?
Diz a ti mesma que não tens de ser perfeita. Diz que os filhos nasceram preparados para terem mães imperfeitas e que não há problema em falhares. Diz, e repete quantas vezes precisares, que cada vez que te permites ser humana e que te aceitas tal como és estás a ensinar os teus filhos que não precisam de viver numa busca incansável pela perfeição. Ensinas os teus filhos que os amas tal como são.
E se mesmo assim não conseguires afastar de ti essa culpa pesada, podes pedir ajuda.
Culpa
Texto publicado a 16/06/2020
No ano em que concluí a minha Tese, passei horas e horas a entrevistar famílias para recolher dados para a minha investigação sobre Depressão Pós-Parto. Famílias como a minha, como a sua. Mães e pais como nós, com bebés como os nossos. Cada família tinha a sua história – algumas mais “difíceis” do que outras.
Aprendi que a Depressão Pós-Parto é um sério problema de saúde mental que não escolhe caras, sexos, etnias ou culturas. O seu aparecimento assenta na história pessoal da mulher/homem que está a tornar-se mãe/pai – as experiências que se viveu até ao momento presente, a forma como se foi cuidado e amado enquanto bebé, o apoio social que se tem tido, a vivência emocional na gravidez, a história emocional prévia, a autoperceção de eficácia para o papel de mãe/pai… Tudo isso importa e pode contribuir para o aparecimento da Depressão Pós-Parto.
Esta perturbação emocional traduz-se em choro fácil, desânimo, humor lábil e sentimentos de inadequação e incapacidade para cuidar do bebé (no homem, frequentemente salienta-se a irritabilidade e a agressividade). Inicia-se por volta do 2º ou 3º mês após o parto (mas pode surgir mais tarde, durante o 1º ano de vida do bebé), instala-se de forma insidiosa e mantêm-se por alguns meses. Muitas vezes não é “descoberto” pela vergonha e pelo receio de se ser julgado por se ter um bebé “perfeito” e não se estar feliz.
Por isso, é urgente desconstruirmos a ideia de que a transição para a parentalidade é um conto de fadas e que a doença mental só afeta os outros – os que são fracos. Tornarmo-nos pais é difícil, exigente e abala as estruturas daquilo que somos. Permite ganhos, mas também perdas. Encontros e desencontros connosco mesmos. E por isso, é fundamental que todas as mães e pais saibam que está tudo bem em pedir ajuda especializada (psicólogos ou psiquiatras), durante a gravidez ou pós-parto.
Mas todos podemos fazer a nossa parte para ajudar, falando sobre a realidade “menos bonita” do pós-parto, dizendo mais vezes às mães e pais que estão a fazer um bom trabalho, não julgando nem criticando e, acima de tudo, apoiando as famílias que conhecemos neste momento tão importante das suas vidas.
Depressão Pós-Parto
Texto publicado a 01/02/2021
Hoje escrevo-vos sobre aquele momento em que as mães pensam que não são capazes.
Acontece em tantas alturas diferentes da maternidade (e não só)... Durante a gestação, quando parece tão assustador o caminho que nos aguarda... Nos momentos antes do bebé nascer, quando parecemos estar naqueles últimos centímetros antes da descida alucinante de uma montanha russa... Com os nossos filhos nos braços, perante o desespero e incerteza do presente e do futuro...
Acontece a todas nós. Todas nós, em algum momento, duvidamos de nós próprias. Faz parte da vida, faz parte do caminho.
Mas digo-vos uma coisa: nunca conheci uma mulher ou homem que não fosse capaz. Ser capaz não significa que temos todas as respostas dentro de nós ou que conhecemos todos os caminhos perante os desafios que surgem nas nossas vidas. Tampouco significa que iremos sempre acertar, adivinhar ou compreender. Pelo contrário, significa que vamos falhar e que temos muito que aprender. Mas aprendemos e, depois, somos capazes. Não somos seres estanques, somos movimento, somos vida, e aprendemos todos os dias.
E a verdade é que ser mãe ou pai exige muitas aprendizagens. Olhando com profunda humildade, é possível vermos que os nossos filhos são capazes de nos ensinar tanto ou mais do que aquilo que nós lhes ensinamos a eles. Eles ensinam-nos sobre o amor, sobre o instinto, sobre a nossa própria vulnerabilidade, sobre o medo, sobre o sofrimento, sobre as relações e até sobre o mundo.
Quando duvidares que consegues, lembra-te que hoje não és exatamente a mesma que eras ontem, nem amanhã serás exatamente a mesma que és hoje. E talvez o teu eu de amanhã já tenha aprendido ou encontrado a solução. E, então, serás capaz.
“Não sou capaz”
Texto publicado a 30/05/2020
Nascer é difícil. É difícil para os bebés que atravessam um canal estreito, deixando o conforto do útero, rumo a um mundo completamente novo e cheio de desafios.
É difícil para as mães e para os pais que passam a ter as suas mentes e as suas vidas transformadas para sempre, com todas as exigências e mudanças que isso implica.
A adaptação – do bebé, da mãe e do pai – tem de ser rápida porque a vida acontece a cada segundo e a cada segundo novos desafios aparecem.
Para os bebés, as “dores” de nascer podem ser curadas com o amor sem limites nem reservas dos pais. Com o toque e contacto pele-a-pele, com os olhares prolongados, com a calma e tranquilidade de se estar, apenas estar, sentir e desfrutar da companhia uns dos outros.
Mas para que isso seja possível, precisamos que as mães e os pais estejam bem. Eles não precisam de ser ensinados a cuidar dos filhos. Eu costumo dizer que os pais e as mães são os maiores e melhores especialistas sobre os seus bebés. Mas para se tornarem nesses especialistas, precisam de tempo e de tranquilidade para conhecerem o bebé, para se conhecerem enquanto pais e para se ligarem aos seus instintos. Não precisam de ter pessoas a dar opiniões não solicitadas, não precisam de alguém que lhes vá tirar o bebé do colo, não precisam de visitas não marcadas, não precisam de comparações com outros bebés/pais. As mães e os pais precisam que os deixem em paz. O que não significa deixar os pais isolados, pelo contrário! Significa levar uma sopa para jantarem, significa dizer-lhes que estão a fazer um excelente trabalho, significa mostrar compreensão e disponibilizarmo-nos para o que precisarem.
Nascer não é fácil. Por isso, apoiemos verdadeiramente as famílias que estão a nascer!
Nascer é difícil
Texto publicado a 06/09/2024
Pó de fada, borboletas e purpurinas.
Não, a maioria das gravidezes não são feitas com estes ingredientes...
Estar grávida pode ser tão mágico quanto difícil.
Podemos amar o bebé que temos na barriga e não gostar de estar grávidas. Podemos gostar de estar grávidas, mas não gostar da incerteza do caminho. Podemos não gostar deste corpo tão diferente e gostar da ideia de irmos ser mães. Podemos até não gostar de nada e ter dificuldade em ligarmo-nos ao bebé que carregamos.
A verdade é que todas as histórias são únicas, só nossas. E são tantas as possibilidades quantas as mulheres que carregam os seus bebés no útero. Não tens de gostar de estar grávida, mas não te esqueças que a tua saúde mental é importante. É importante que cuides de ti para que tu e o teu bebé fiquem bem.
Cada história é única, mas, se cuidares de ti, a tua história pode ser mais feliz.